CADERNOS DE ARTISTA

Ensaios Para o Fim 
2025, 60 min, RS

Ensaios Para o Fim

Videoinstalação inédita do artista André Severo, que reúne monitores de televisão – de diversos tamanhos, modelos e formatos – com pequenas passagens em loop de cenas de explosões de bombas atômicas na Segunda Guerra Mundial ou em testes durante a Guerra Fria. Segundo o curador Paulo Herkenhoff, “Ensaios para o fim é dedicado àquilo que não se pode esquecer (…), o centro das bombas, seu cogumelo letal, foi documentado sob diversos ângulos ao longo da história; e a beleza perversa dessas explosões conjugadas pelo artista nesta instalação produz um céu diurno com fogos de artifício que, fotograficamente, tem a magia do tempo do Milk-drop coronet splash de Harold Edgerton”. Para a apresentação no Cine Esquema Novo, a instalação ganhou uma versão para a sala de cinema que, além dos televisores dispostos no ambiente, conta também com um filme-colagem de 60 minutos que será projetado na grande tela.
Ficha técnica

Direção: André Severo

BIOGRAFIA DE ARTISTA

André Severo (1974), É artista, curador, produtor e gestor cultural. Mestre em poéticas visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciou, em 2000, ao lado de Maria Helena Bernardes, as atividades de Areal, projeto que se define como uma ação de arte contemporânea deslocada que aposta em situações transitórias capazes de desvincular a ocorrência do pensamento contemporâneo dos grandes centros urbanos e de suas instituições culturais. Produziu também projetos como Lomba Alta – um programa de residência que se utilizava do espaço físico de uma fazenda, em plena atividade, na região central do estado do Rio Grande do Sul e buscou oferecer o espaço e os meios para a realização de investigações artísticas que colocassem em foco a experiência do fazer criativo e reflexivo compartilhado – e Dois Vazios – que almeja alcançar não somente o encontro de duas linguagens artísticas (cinema e artes plásticas), mas também o embate entre duas vastas paisagens brasileiras: os pampas da região Sul e o sertão da região Nordeste. Realizou mais de uma dezena de filmes e instalações audiovisuais; e publicou, entre outros, os livros Consciência errante, Soma e Deriva de sentidos. Foi curador de diversas exposições, entre elas a 30ª Bienal de São Paulo – A iminência das poéticas, aolado de Luis Pérez-Oramas e co-curador da representação brasileira na 55ª Bienal de Veneza. Entre suas principais premiações destacam-se o Programa Petrobrás Artes Visuais – ano 2001; o Prêmio Funarte Conexões Artes Visuais, 2007; o Projeto Arte e Patrimônio 2007; o Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2009; o V Prêmio Açorianos de Artes Plásticas; o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – 6ª Edição; o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2014, em 2014; o XV Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia 2015; e o Prêmio Sérgio Milliet da ABCA pelo livro Artes Visuais – Ensaios Brasileiros Contemporâneos.

EXPOSIÇÕES

Coletivas

Individuais
  • Por Enquanto (Instituto Estadual de Artes Visuais, Porto Alegre, 1997).[15]
  • André Severo (Paço das Artes, São Paulo, 1998).[15]
  • Ainda (Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998)[15]
  • Projeto Areal, em parceria com Maria Helena Bernardes, projeto de longa duração iniciado em 2000, envolvendo debates, exposições e publicação de livros.[1][11]
  • Espelho (Galeria Bolsa de Arte e Pinacoteca Ruben Berta, Porto Alegre, 2017).[16]
REFLEXÕES SOBRE A OBRA

ENSAIOS PARA O FIM
por Paulo Herkenhoff

“En algún lugar, en el que acaso nunca hemos estado”
El Mensajero

Ensaios para o fim é uma videoinstalação que reúne 36 monitores de televisão com pequenas passagens em loop de cenas de explosões de bombas atômicas na Segunda Guerra Mundial ou em testes durante a Guerra Fria. O hipocentro das bombas1 , seu cogumelo letal, foi documentado sob diversos ângulos ao longo da história. A beleza perversa dessas explosões conjugadas produz um céu diurno com fogos de artifício. Fotograficamente, esse momento de estouro tem a magia do tempo do Milk-drop coronet splash de Harold Edgerton (c. 1936). Era 11h02 da manhã do dia 06 de agosto de 1945 quando explodiu a primeira bomba atômica no Japão. Os estouros registrados conduzem aos instantes imediatamente antes, durante e logo depois das explosões de bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, a enorme matança coletiva de civis, morte em massa de inocentes. Se o “instante decisivo” é o conceito de um átimo significativo da vida capturado pela câmera, que caracterizou a fotografia de Cartier-Bresson, aquela hora bélica é reinterpretada por André Severo como o átimo fatal imediato para 70 mil pessoas mortas e centenas de milhares que tiveram os corpos afetados pela irradiação atômica no Japão.2 Desde 1945, a visão plausível do Armagedom nuclear deixa em alerta as mentes mais conscientes do desejo de morte que atravessa o homem moderno. A desmedida bélica afeta a humanitas. Em O prazer do texto, Roland Barthes afirma existir uma impiedosa regra tópica, “a vida da linguagem”, a língua vem sempre de algum lugar, ela é topos guerreiro.3 André Severo expõe a pulsão de morte (a Todestrieb de Freud) social específica que é a necrofilia, tal como Ailton Krenak e outras vozes indígenas deploram o terricídio.4 Como significar o horrível? – esta parece ser a indagação do desafio proposto por Barthes que André Severo se faz em Ensaios para o fim. O videoartista recorre ao modo direto e discreto, mas sem dúvida interpelativo da consciência do mundo através da estratégia que Geneviève Serreau denominou photo- shock,5 tal qual numa Lehrstück de Bertolt Brecht.6 Os Ensaios para o fim são de natureza assemelhada às Ideias para adiar o fim do mundo (2019), de Ailton Krenak, como deplorações do ecocídio.7 “Nosso tempo é especialista em criar ausências do sentido, do viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de danças, de cantar”, observa Krenak, “já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira indefensável, vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas visões, nossas poéticas sobre a existência.”8 A ecosofia de André Severo engloba a ecologia social (das relações sociais), a ecologia mental (da subjetividade humana) e a ecologia do meio ambiente.9 A pluralidade de imagens do arquiperiscópio de Severo é a metáfora ecosófica da proliferação de armas atômicas no mundo. Em seu agenciamento da enunciação,10 depois de ter feito Ensaios para o fim, talvez apenas sobrasse a André Severo fazer Labirinto. Ensaios para o fim é dedicado àquilo que não se pode esquecer – esta obra poderia compor o acervo do Museu Memorial da Paz de Hiroshima ao lado do filme Hiroshima, mon amour (1959), dirigido por Alain Resnais com roteiro da Marguerite Duras. A videoinstalação de André Severo, na sequência dramática do filme de Duras e Resnais, é uma forte declaração contra a guerra e as armas nucleares. No último dia na cidade japonesa de uma atriz francesa na participação num filme sobre a paz, um arquiteto japonês a adverte enamorado: “Não, você não viu nada de Hiroshima.” A obra Ensaios para o fim opera com o referido enunciado do topos guerreiro da linguagem. Ainda com Barthes, com poucas palavras o grão da voz das testemunhas das bombas lançadas pelos Estados Unidos sobre cidades do Japão sintetiza antropológica, fonética, fisiológica, psicológica, antropológica, social, estética e eticamente o pavor físico e moral:

“My God!”11
“Avião!”12
“Pika-don!”13
“Estou bem?”14
“Água… água…”15
“Água… água…”16
“Espere… espere.”
“Está queimando, mamãe! Queimando!”17

1 Hipocentro é o termo geológico para as regiões onde um terremoto é sentido
2 Nem todos os filmes são de explosões atômicas sobre as cidades do Japão, mas se referem
hipoteticamente a elas. Alguns são registros de testes de aperfeiçoamento das bombas.
3 BARTHES, Roland. Le plaisir du texte. Paris: Éditions du Seuil, 1973. p. 41.
4 O conceito de terricídio foi cunhado por Weychafe Moira Millán no Acampamento Climático dos Povos
Contra o Terricídio em Chubut, na Argentina, em 2020.
5 BARTHES, Roland. Mythologies. Paris: Éditions du Seuil, 1957. p 105-107.
6
Lehrstück, para Bertolt Brecht, era uma forma de aprendizado através de papéis teatrais, com
estratégias que envolvessem atores e a plateia em torno de temas políticos.
7 Ver ALTARES, Guillermo. Ecocídio, crime contra o planeta, ganha definição jurídica e avança rumo à
penalização. El País, 22 jun. 2021. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2021.
8 KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2019. Palestra na Universidade de Lisboa. Incluído
na coletânea homônima. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. p. 7-33.
9 GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus,1990. p 32-
48.
10 Idem, p. 19.
11 Exclamação apavorada dos soldados a bordo do avião Enola Gay que lançaram a bomba sobre
Hiroshima.
12 Grito de um vizinho de Takato Michishita no dia 9 de agosto de 1945 nos segundos que antecederam
o bombardeio de Nagasaki.
13 Expressão fonética em japonês para bomba atômica.
14 Foi a pergunta de um operário a seu colega Masakatsu Obata no dia 6 de agosto. “His face and body
were swollen, about one and a half times the size. His skin was melted off, exposing his raw flesh”,
afirmou Obata. E o homem deformado continuava ajudando os jovens estudantes no abrigo antiaéreo.
15 Segundo Inosuke Hayasaki: “The injured were sprawled out over the railroad tracks, scorched and
black. When I walked by, they moaned in agony. ‘Water… water…’”
16 Mais e mais gente suplicava agonicamente por água segundo Inosuke Hayasaki.
17 O relato do adolescente Fujio Torikoshi: “I heard my mother’s voice in the distance. ‘Fujio! Fujio!’ I
clung to her desperately as she scooped me up in her arms. ‘It burns, mama! It burns!”

 

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