CADERNOS DE ARTISTA
Sertão, América
2023, 18 min, ES/PI/RS

Sertão, América
Um registro do processo de fabricação do Parque Nacional da Serra da Capivara, unidade de conservação no sertão do Piauí, onde desenhos rupestres desafiam a teoria corrente de como o homem entrou na América.
Ficha técnica
Direção: Marcela Ilha Bordin
Produção: Pique-Bandeira Filmes e Muitas Palmeiras
Produção executiva: Vitor Graize
Direção de fotografia: Juliano Possebon Ferreira
Direção de produção: Diego Franco
Assistência de direção: Giulia Góes
Som: Gabriela Güez, Tiago Bello e Toco Cerqueira
Edição: Andrés Medina
Desenho de som: Tiago Bello
Mixagem: Tiago Bello e Toco Cerqueira
Artistas de foley: Ivan Lemos e Daniel de Bem
Colorista: Brunno Schiavon
Finalização: Isabel Beitler
Designer: Isabella Alves
Revelação 16mm e scan: Colorlab
Elenco: Janival de Sousa Macedo Oliveira, Maria Cláudia de Sousa Macedo Oliveira, Joãozinho da Borda, Ranufa, Iderlan de Souza, Ana Vitória de Oliveira Paes Landim, Ana Clara Paes Landim Louzado, Ana Patrícia Paes Landim Louzado, Eric Boëda
Festivais, Mostras e Prêmios
25º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (Brasil)
29º É Tudo Verdade 2024 – Festival Int. de Documentários (Competitiva Nacional)
33ª Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro – Curta Cinema 2024
28º CinePE 2024 (Brasil)
13ª Mostra Ecofalante de Cinema (Brasil)
1ª Mostra de Cinema de Betim (Brasil)
19ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto (Brasil)
8º Festival Ecrã (Brasil)
4ª Sinédoque (Brasil)
IV BIS – Bienal Internacional do Cinema Sonoro – Mostra Competitiva (Brasil)
17º Festival Entretodos (Brasil)
Viennale 23 (Áustria)
24º Malescorto 2024 (Itália)
8º Inffinito Brazilian Film Festival of Miami (EUA)
MEMORIAL DESCRITIVO
“Como cineasta, busco uma concepção expandida do cinema como ferramenta especulativa. Isso se traduz, em particular, no interesse por investigações visuais que deslocam a centralidade do indivíduo e compreendem o ser humano como inserido em uma rede de interações e relações, como parte de uma paisagem maior. Sertão, América é uma dessas investigações. O filme examina a unidade de conservação do Parque Nacional da Serra da Capivara como um arquivo, conceito que tomo emprestado de Jacques Derrida, no sentido de que este espaço é produzido por uma interrupção voluntária e que há um esforço, que é político ou, ao menos, dependente de instâncias de poder, para lhe dar forma.
Em outras palavras, existe um procedimento legal de criação, baseado em noções de escassez e falta, que informa esse espaço enquanto patrimônio. Nessa perspectiva, a área de conservação estabelece um regime espaço-temporal distinto, através da delimitação de fronteiras, que a separam e protegem da exploração associada à sociedade civilizada e urbana, ao escopo humano. Como um conjunto fechado – unidade –, a área de conservação passa então a ser lida como um objeto estável e autossuficiente, que abriga um ambiente intocado, ao mesmo tempo em que omite as operações que fazem dela um aparato artificialmente instituído.
O filme buscou mapear as performances ao redor do Parque Nacional da Serra da Capivara, investigando a construção reiterada desse espaço como patrimônio, o que pressupõe o surgimento e o desaparecimento de diversas categorias de atores (humanos e mais-que-humanos), que chamo de agentes. Gostaria de destacar aqui que as fronteiras desempenham um papel fundamental na manutenção da inteligibilidade desse lugar. É no campo de transação entre o parque e suas bordas que ocorrem atritos e trocas. E foi precisamente ali que me posicionei, utilizando o cinema como um meio para navegar esse território, considerando que a natureza do cinema é capturar o mundo por meio da criação de um espaço intermediário, cujo status ontológico é escorregadio. Assim, de maneira semelhante ao gesto de conservação que leva ao estabelecimento de uma área de conservação, o cinema também provoca um deslocamento espaço-temporal, inaugurando outro regime de visibilidade, um plano espectral, intermediário, tornado condição de sobrevivência através da transformação desujeitos e objetos em imagens. Acrescento que a natureza particular do suporte fotossensível de película 16 mm, que utilizei em Sertão, América, serve muito bem ao propósito de uma superfície de impressão, para registrar os movimentos, os vai-e-vens que ocorrem em zonas de passagem, como os arredores do parque.
É também importante mencionar que o Parque Nacional da Serra da Capivara está localizado no Sertão, uma categoria geológica e social, que inicialmente designava os sertões do Brasil, distantes do litoral, onde os colonizadores portugueses primeiro se estabeleceram ao chegar. Nos séculos seguintes, à medida que o Brasil abraçou uma identidade moderna, baseada na exploração de recursos naturais e em um progresso industrial geralmente concentrado nos grandes centros urbanos próximos ao litoral, o Sertão assumiu a função de contraponto necessário e passou a ser associado a uma imagem de pobreza e seca, um lugar preso no tempo – a parte atrasada e selvagem da nossa história, que devemos apagar, junto com a memória de resistência e sobrevivência de tantos outros povos.”
