CADERNOS DE ARTISTA

Mar de Dentro
2024, 8min, PE

Mar de Dentro

A incansável insubmissão ao poder de Preto Sérgio e sua busca pela história do que não foi revelado, desamarrando os nós a partir dos bons ventos que o levam ao mar de fora e ao mar de dentro.
Ficha técnica

Direção: Lia Leticia
Produção: Dona Ledy Produções Artísticas e Vilarejo Filmes
Produção Executiva: Livia de Melo
Direção de Fotografia: Adalberto Oliveira
Som: Priscila Nascimento

Montagem/Edição: Leticia Barros
Elenco: Lia Leticia e Kelly Cavalcanti
Personagens Reais Principais: Preto Sérgio(in memoriam)
Roteiro: Lia Leticia
Trilha Sonora: Edgar-Black Sheep

Festivais, Mostras e Prêmios

XV Janela Internacional de Cinema/PE

11ª Mostra de Cinema de Gostoso/ RN

Festival de Cinema Galo-da-Serra/AM

ª Mostra Empoderadas: Mulheres Negras e Indígenas/SP

57° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – FBCB/DF – Prêmios de Melhor Filme Curta-metragem e Melhor Direção e Prêmio Especial Zózimo Bulbul como Melhor Curta-metragem

FAS – Festival de Amostras do Sul/BA

MARÉ – Mostra Ambiental de Cinema de Noronha/PE

28ª Mostra de Cinema de Tiradentes

BIOGRAFIA DE ARTISTA

Lia Letícia (1975), pensa seu trabalho a partir de um campo ampliado de arte, na tensão entre práticas artísticas e a sua pretensa autonomia. A construção e conflitos advindos dessa reflexão engendram suas obras. Artista visual, natural de Viamão/RS, muda para Olinda/PE no final da década de 90 e explora a pintura em diversos suportes, inclusive o audiovisual. Suas obras transitam entre festivais de cinema e exposições de arte, multiplica esta experiência através de ações de curadoria como o Cinecão e também como educadora em projetos como Videoarte para Crianças e colabora como diretora e montadora em trabalhos de artistas visuais. Coordenou ações da Galeria Maumau/PE, integrou o CARNI- Coletivo de Arte Negra e Indígena. Dentre as equipes curatoriais que fez parte estão o III Palco Preto//PE e o Abre Alas/Galeria A Gentil Carioca/RJ. Suas obras já estiveram em mostras do Centro Cultural Eufrásio Barbosa, MAMAM e MAC-PE, SESC’s/RJ-MG-SP, CCBB, , MIS/SP, Centro Cultural São Paulo, Centro de Arte Hélio Oiticica e no Paço Imperial/RJ, dentre outros. Suas curadorias incluem a Residência Artística Oficina Brennand, projeto Nove Solos/Brasil-Suiça(2023) e Abre Alas- Gentil Carioca.. É coordenadora artística das exposições da Embaixada da Ciranda Lia de Itamaracá e curadora do Canto da Sereia/Centro Cultural Estrela de Lia.
Desde 2002 desenvolve obras audiovisuais no campo do cinema experimental e videoarte, assina direção em diversos curtas como: Orwo Foma(2012, mais de 20 Festivais e Prêmio Melhor filme experimental), Encantada(2013, mais de 30 Festivais, Prêmio de Melhor Filme Experimental), Thinya(2019. mais de 50 festivais entre nacionais e internacionais, prêmios de Melhor Filme, Som e Montagem, atualmente na plataforma de streaming Cardume), em 2021 finalizou três obras que circularam, somadas, em mais de 60 festivais(Per Capita, Feliz Navegantes e Queda). Seu mais recente trabalho, o minidoc musical Dorme Pretinho, atualmente circula em diversos festivais e já acumula prêmios. Além de escrever e dirigir seus próprios filmes, trabalha como diretora de arte, assinou diversos curtas pernambucanos como Ex-humanos, Frequências, As vezes que não estou lá e Quebra-Panela, todos premiados como diretora de arte. Recentemente foi diretora de arte dos longas Ainda não é Amanhã, de Milena Times(Melhor direção de arte no Fest Aruanda) e Presságios de Um Mundo Anterior, de Marcelo Pedroso. Como co- diretora realizou a serie para o Canal Curta Brasil Visual/2024 , desenvolve roteiro para o doc “Dynamite Som- O Futuro é Lamento Negro”, com Pedro Severien, assim como o desenvolvimento, como roteirsta e diretora, da série “Maria MAdalena- Lia de Itamracá”, sobre a artista Lia de Itamaracá. Seu curta Mar de Dentro, lançado em outubro de 2024, ganhou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Curta Prêmio Zózimo Bulbul/APAN, no Festival do Cinema Brasileiro de Brasília:
Integra o corpo curatorial da próxima exposição de longa duração no Museu da Abolição/PE e participa da Negritude do Audiovisual-PE e da APAN.

FILMOGRAFIA

Orwo Foma. PE-RJ/2012
Encantada. PE/2014
Terra Não Dita, Mar Não Visto. PE/2017
Thinya. PE/2019
De Todos os Lugares, o mundo. PE/2020
Queda, PE/2021
Diva. /PE/2020
Feliz Navegantes, recife/2021
Per Capita. PE/2021
Dorme Pretinho/2023
Brasil Visual, segunda temporada, co-direção/RJ/2024

SOBRE A OBRA

ONDE COMEÇA E ONDE COMEÇA

Em 2018 fui à trabalho para Fernando de Noronha e, numa casa em frente à
pousada na qual estava hospedada, uma pintura na parede me chamou atenção: mostrava um homem negro, num pequeno barco de madeira, em um mar revolto e cercado por inúmeros tubarões. Preto Sérgio, o personagem retratado no dramático quadro, teve sua liberdade tolhida aos 17 anos quando, ao caçar “rolinhas” no mato, a bala de sua espingarda atingiu acidentalmente e feriu superficialmente o filho de um Coronel de Pernambuco, o que foi suficiente para Sérgio ser encaminhado ao então presídio de Fernando de Noronha. O que aquela pintura narra não é sua prisão, mas sim uma de suas duas fugas da Ilha.

Fernando de Noronha, mapeada pelos colonizadores já em 1502, virou entreposto para comercialização de Pau Brasil para a Europa e parte da rede extrativista que dali em diante exploraria esta parte do mundo. Neste mapa territorial é inscrito e inaugurado também o mapa temporal da colonialidade. Há notícias de envio para a ilha de degredados e condenados desde o século XVII, quando então o governo português e brasileiro sucessivamente isolou e exilou diversos tipos de presos. O isolamento pode ser medido numa história local que conta que os habitantes de Fernando de Noronha não ficaram sabendo da independência do Brasil e seguiram hasteando a bandeira portuguesa por mais dois anos. A era Vargas a tornou oficialmente uma prisão para presos políticos e, apesar de ter titulo de preso comum, entendemos a prisão de Preto Sérgio também como política, inserida no contexto mais amplo de encarceramento de jovens negros

O meu encontro com a pintura de Preto Sérgio é o ponto de partida de MAR DE DENTRO, documentário que tem Fernando de Noronha, sua história e seus desdobramentos na atualidade, como contexto. É lá onde nós vamos acompanhar a trilha de Preto Sérgio e seguir seus vestígios, que se imbricam com a história da Ilha e com a própria história do Brasil.

MAR DE DENTRO desenha um mapa afetivo que parte desse encontro com a pintura de Preto Sérgio e percorre a trilha territorial e política que representa sua história de vida em Fernando de Noronha. A criação deste mapa afetivo, que é a estrutura do próprio filme, parte da pintura e se dá por meio de dois tipos de registro: por depoimentos da neta de Preto Sérgio e de outros moradores nativos junto `a fotografias e documentos pessoais da família, e também pelos vestígios do tempo incrustados nas paisagens e nas diversas ruínas da Ilha (muitas invisíveis devido ao abandono). Nesta cartografia da vida de Preto Sérgio, pontos de localização serão descobertos a partir dessa deriva afetiva e política e darão as pistas necessárias para o desfecho da rota/filme.

Esta rota tem como ponto de chegada a criação de uma síntese poética artística, uma performance realizada em um dos Fortes da Ilha, onde uma mulher negra irá sucessivamente “arriar” (o contrário de hastear) as 13 bandeiras que o estado brasileiro teve até hoje. Esta ação dialoga e refaz também os caminhos de Sérgio e representa, ao fim, simbolicamente, a resistência e insubmissão de sua história. Para explicitar essa complementaridade entre história pessoal e história política, do rapto da liberdade e insubmissão aos protocolos de poder hegemônico, contarei esta história através de um caminho não necessariamente linear, porém aberto `as descobertas que o encontro nos proporciona. Esta construção será feita destes embates, de um navegar seguindo pistas, ouvindo pessoas e atenta ao caminho afim de visibilizar estas e outras histórias. Pois deste encontro com a pintura de Preto Sérgio, eixo narrativo desse documentário, fui atravessada pela minha própria trajetória, advinda de um contexto periférico, de território colonizado pelo poder branco hegemônico, que me perpassa e a tantos outros corpos racializados. Quando Preto Sérgio é confrontado com o encarceramento/poder e reage, é também a história de muitas/os, é também a minha história. E nos revela aquilo que tem sido escondido, mas que persiste e perdura na práticas de resistência.

Num mundo em que vivenciamos diversas conquistas advindas e capitaneadas por vozes insubmissas, mas organizadas, acredito que é essencial olhar para estas histórias dos que nos antecederam e resistiram. Afinal, contar o passado não é apenas olhar para fatos, mas sim para memórias que causaram fissuras e forjaram os caminhos para sonhar e preparar um outro futuro.
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SOBRE A ILHA DE FERNANDO DE NORONHA

Fernando de Noronha: cinco séculos de história

Ao longo de dez capítulos e 551 páginas a historiadora Marieta Borges Lins e Silva apresenta o resultado de uma pesquisa de quatro décadas através da qual coletou, em acervos oficiais e particulares, um vasto conjunto de informações e imagens históricas a respeito da origem, evolução e atualidade de Fernando de Noronha. A autora resgata, por exemplo, a ligação do arquipélago com a época das Grandes Navegações, evidenciando o interesse de diferentes nações europeias pelo lugar desde o século XVI; o papel estratégico do conjunto de ilhas atlânticas na Segunda Guerra Mundial, quando foi utilizado, com apoio brasileiro, como base militar pelos norte-americanos; e o uso do território como colônia penal e presídio político, por conta do seu isolamento em relação ao continente. Outro importante assunto tratado pela autora é a renhida reintegração do arquipélago ao estado de Pernambuco em 1988, após aprovação da Assembleia Nacional Constituinte. Um destaque à parte é a diversificada iconografia da obra. Não bastasse a riqueza textual do livro, a autora brinda o leitor com um vasto repertório de fotos que trazem as belezas ecológicas das ilhas de Fernando de Noronha.

https://editora.ufpe.br/books/catalog/book/743

TRILHA SONORA
3 perguntas em vídeo
OBRA CONVIDADA

Ramal
2023, 16min, MG

De Higor Gomes

Sinopse

Protegidos pelas montanhas que cercam a Vila Marzagão, na periferia da cidade de Sabará, Minas Gerais, um grupo de jovens se divertem sobre suas motocicletas em um viaduto sem saída conhecido pelos moradores da região como ramal ferroviário.