CADERNOS DE ARTISTA
Sem Título # 9 : Nem Todas as Flores da Falta
2024, 19min, SP


Sem Título # 9 : Nem Todas as Flores da Falta
A flor de Coleridge no jardim dos caminhos que se bifurcam de Borges. Flores de papel e película; flores fósseis. “O panaroma de todas as flores da fala” (J. Joyce). “Ninguém pensa nas flores, pois nosso jardim é desamparo” (F. Farrokhzad). Uma “flor cheia do real, do atual” (W. Stevens). “Uma floreira ou a porta dos pesadelos” (R. Bolaño). “Já não é mais tão fácil sonhar com a flor azul” (W. Benjamin). “A flor? A outrora flor” (A. de Campos). “Entre uma flor colhida e outra dada / o inexprimível nada” (G. Ungaretti).
Ficha técnica
Direção: Carlos Adriano
Roteiro: Carlos Adriano
Direção de Arte: Carlos Adriano
Direção de Fotografia: Carlos Adriano
Montagem: Carlos Adriano
Produção: Carlos Adriano
Produção Executiva: Carlos Adriano
Som: Carlos Adriano
Festivais, Mostras e Prêmios
É Tudo Verdade (2023); 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes (2025)
BIOGRAFIA DE ARTISTA

Carlos Adriano (1966).
Desde 1989 realizou 25 filmes (em película 16mm e 35mm e em vídeo, curtas, médias e longa metragens), como “A Voz e o Vazio: a Vez de Vassourinha” (1998; Melhor Curta Documentário, 36º Festival de Chicago), “Santoscópio = Dumontagem” (2009; Melhor Contribuição à Linguagem, 10º Recine), “Santos Dumont pré-cineasta?” (2010; Melhor Direção, 10º Recine), “Sem título # 1 : Dance of Leitfossil”(2014; Melhor Filme, Golden Reel Underground Film Festival, Ulaanbaatar), “Festejo Muito Pessoal” (2017; Melhor Curta, 27º Cine Ceará; Melhor Uso de Material de Arquivo, Festival Internacional de Cinema de Arquivo), “Sem Título # 5 : A Rotina terá seu Enquanto” (2019; Melhor Curta, 24º É Tudo Verdade) e “Tekoha” (2022; Melhor Curta, 17º Festival Aruanda).
Retrospectivas: Festival do Rio (2002), 56º Festival de Locarno (2003, seção Cineastas do Presente), 6º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (2004), 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc Videobrasil (2007, eixo curatorial Cinema + Artes + Vídeo) e Instituto Tomie Ohtake (2019, filmes instalados, projeções, displays, loops).
Filmes exibidos no MoMA de Nova Iorque, na Tate Modern (Londres) e nos Anthology Film Archives (NY), e em festivais internacionais em Amsterdã, Bilbao, Bologna, Chicago, Havana, Huesca, Miami, Osnabrück, Paris, Pesaro, Pordenone, Roterdã, Sheffield, Telluride, Toronto, entre outros.
“Santoscópio = Dumontagem” integrou a exposição “A máquina do mundo”, na Pinacoteca de São Paulo (2021/2022).
Recebeu a Bolsa Vitae de Artes (Fundação Vitae, 2003) e teve projetos premiados em editais do Ministério da Cultura (1997), Itaú Cultural (1998), Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (1999, 2004, 2022), Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (2002) e Petrobras (2001, 2007).
Doutor em Estudo dos Meios e da Produção Mediática (USP, 2008; orientação: Ismail Xavier; Bolsa Fapesp), com Pós-Doutorados em Comunicação e Semiótica (PUC-SP, 2014; supervisão: Arlindo Machado; Bolsa Fapesp) e em Meios e Processos Audiovisuais (USP, 2017; supervisão: Cristian Borges; Bolsa Capes).
A convite dos autores e/ou dos organizadores dos respectivos livros, escreveu as orelhas de “Entredados” (Augusto de Campos e Cid Campos, Laranja Original, 2022), “Poesia visual brasileira e argentina: uma antologia” (organização: Julio Mendonça e Claudio Mangifesta, Laranja Original, 2023), “Uma psicanálise errante: andanças cinemáticas e reflexões psicanalíticas” (Miriam Chnaiderman, Blucher, 2024), “Poesia pois é poesia” (Décio Pignatari, coordenação editorial: Augusto de Campos e André Vallias, Companhia das Letras, 2025) e “Pós poemas” (Augusto de Campos, Perspectiva, 2025).
Sua obra é tema de um capítulo no livro “The Sublimity of Document: cinema as diorama (avant-doc 2)”, de Scott MacDonald (Oxford University Press, 2019).
FILMOGRAFIA
Suspens / 1988-1989 / 13 min
A Luz das Palavras / 1991-1992 / 8 min
Remanescências / 1994-1997 / 18 min
A Voz e o Vazio : a Vez de Vassourinha / 1997-1998 / 16 min
O Papa da Pulp: R. F. Lucchetti / 1999-2002 / 15 min
Militância / 2001-2002 / 10 min
Um Caffé com o Miécio / 2002- 2003 / 15 min
Porviroscópio / 2004- 2006 / 31 min 41 seg
Das Ruínas a Rexistência / 2004-2007 / 13 min
Santoscópio = Dumontagem / 2007-2009 / 14 min 41 seg
Santos Dumont Pré-Cineasta? / 2008-2010 / 63 min 07 seg
sem título # 1 : Dance of Leitfossil / 2013-2014 / 5 min 30 seg
sem título # 2 : la mer larme / 2009-2015 / 31 min 37 sec
sem título # 3 : E para que Poetas em Tempo de Pobreza? / 2015-2016 / 13 min 35 seg
Festejo Muito Pessoal / 2016-2017 / 8 min 30 seg
sem título # 4 : Apesar dos Pesares, na Chuva Há de Cantares / 2017-2018 / 32 min
sem título # 5 : A Rotina terá seu Enquanto / 2018-2019 / 10 min 4 seg
MarMúRio / 2019 / / 5 min
sem título # 6 : o Inquietanto / 2019-2020 / 16 min 10 seg
O que Há em Ti / 2020 / 16 min 54 seg
sem título # 7 : Rara / 2019-2021 / 11 min 59 seg
sem título # 8 : Vai Sobreviver / 2016-2021 / 12 min 13 seg
Tekoha / 2021-2022 / 14 min 38 seg
O Materialismo Histórico da Flecha contra o Relógio / 2022-2023 / 26 min 19 seg
Os Mortos Resistirão Para Sempre / 2024 / 28 min 07 seg
sem título # 9 : Nem Todas as Flores da Falta / 2022-2024 / 25 min 36 seg 14 frames
CITAÇÕES REFERENCIAS DO DIRETOR
Filme Florilégio
– um buquê de citações
“O panaroma de todas as flores da fala.” ( James Joyce )
“A história manchada de sangue da flor comprometeu-me com a vida.” ( Forugh Farrokhzad )
“Ninguém pensa nas flores, pois nosso jardim é desamparo.” ( Forugh Farrokhzad )
“Alma por doce máscara aspirando a flor?” ( Paul Valéry / Augusto de Campos )
“Inferno ou Céu, do beco sem saída / Uma só coisa é certa: voa a Vida, / E, sem a Vida, tudo o mais é Nada. / A flor que for logo se vai, flor ida.” ( Omar Khayyam / Edward Fitzgerald / Augusto de Campos )
“Já resplende a flor inversa.” ( Raimbaut D’Aurenga / Augusto de Campos )
“Para colher a flor / mais escolhida / da aura da aurora / à hora que retorna.” ( Arnaut Daniel / Augusto de Campos )
“Então meu ser quer que eu colora o canto / de uma flor cujo fruto seja amor, / grão, alegria, e olor de noigandres.” ( Arnaut Daniel / Augusto de Campos )
“Crivo de flores.” ( Safo )
“Assim como o coração desta flor imagina.” ( E.E. Cummings / Augusto de Campos )
“A flor? A outrora flor.” ( Augusto de Campos )
“Já não é mais tão fácil sonhar com a flor azul.” ( Walter Benjamin )
“Uma flor que forma outra flor quando nela pousa a libélula.” ( Lezama Lima )
“Flor cheia do real, do atual.” ( Wallace Stevens )
“Uma floreira ou a porta dos pesadelos.” ( Roberto Bolaño )
“Entre uma flor colhida e outra dada / o inexprimível nada”. ( Giuseppe Ungaretti )
“Flor é a palavra flor / verso inscrito no verso / como as manhãs no tempo.” ( João Cabral de Melo Neto )
REFERÊNCIAS LITERÁRIAS
A FLOR DE COLERIDGE
de Jorge Luis Borges
Por volta de 1938, Paul Valéry escreveu: “A história da literatura não deveria ser a história dos autores e dos acidentes de sua carreira ou da carreira de suas obras, e sim a história do Espírito como produtor ou consumidor de literatura. Essa história poderia ser levada a termo sem mencionar um único escritor”. Não era a primeira vez que o Espírito formulava essa observação; em 1844, no povoado de Concord, outro de seus amanuenses anotara: “Dir-se-ia que uma única pessoa redigiu quantos livros há no mundo; há neles tal unidade central que é inegável serem obra de um único cavalheiro onisciente” (Emerson: Essays, 2, VIII). Vinte anos antes, Shelley sentenciou que todos os poemas do passado, do presente e do porvir são episódios ou fragmentos de um único poema infinito, construído por todos os poetas do orbe (A Defence of Poetry, 1821).
Essas considerações (implícitas, sem dúvida, no panteísmo) permitiriam um infindável debate; eu, agora, invoco-as para executar um modesto propósito: a história da evolução de uma ideia, por meio dos textos heterogêneos de três autores. O primeiro texto é uma nota de Coleridge, ignoro se escrita em fins do século XVIII ou princípios do XIX. Diz, literalmente: “Se um homem atravessasse o Paraíso em um sonho e lhe dessem uma flor como prova de que estivera ali, e ao despertar encontrasse essa flor em sua mão… O que pensar?”
Não sei qual será a opinião de meu leitor acerca dessa imaginação; eu a considero perfeita. Usá-la como base de outras invenções felizes parece previamente impossível; tem a integridade e a unidade de um terminus ad quem, de uma meta. Claro que o é; na ordem da literatura, como em outras, não há ato que não seja coroação de uma infinita série de causas e manancial de uma infinita série de efeitos. Por trás da invenção de Coleridge está a geral e antiga invenção das gerações de amantes que pediram uma flor como prova.
O segundo texto que alegarei é um romance que Wells esboçou em 1887 e reescreveu sete anos mais tarde, no verão de 1894. A primeira versão intitulava-se The Chronic Argonauts (neste titulo descartado, chronic tem o valor etimológico de “temporal”); a definitiva, The Time Machine. Wells, nesse romance, continua e reforma uma antiquíssima tradição literária: a previsão de fatos futuros. Isaías vê a desolação de Babilônia e a restauração de Israel; Eneias, o destino militar de sua posteridade, os romanos; a profetisa de Edda Saemundi, o retorno dos deuses que, depois da cíclica batalha em que nossa terra há de perecer, descobrirão, espalhadas entre as ervas de uma nova pradaria, as peças de xadrez com que antes jogaram… O protagonista de Wells, ao contrário desses espectadores proféticos, viaja fisicamente ao futuro. Volta exausto, empoeirado e muito abatido; volta de uma remota humanidade que se bifurcou em espécies que se odeiam (os ociosos eloi, que habitam em palácios dilapidados e ruinosos jardins; os subterrâneos e nictalopes morlocks, que se alimentam dos primeiros); volta com as têmporas encanecidas e traz do porvir uma flor murcha. Essa é a segunda versão da imagem de Coleridge. Mais inacreditável que uma flor celestial ou que a flor de um sonho é a flor futura, a contraditória flor cujos átomos agora ocupam outros lugares e ainda não se combinaram.
A terceira versão que comentarei, a mais trabalhada, é invenção de um escritor muito mais complexo que Wells, embora menos dotado dessas agradáveis virtudes que se costuma chamar de clássicas. Refiro me ao autor de A Humilhação dos Northmore, o triste e labiríntico Henry James. Este, ao morrer, deixou inacabado um romance de caráter fantástico, The Sense of the Past, que é uma variante ou elaboração de The Time Machine. 1 O protagonista de Wells viaja ao futuro em um inconcebível veículo, que avança ou recua no tempo como os outros veículos no espaço; o de James volta ao passado, ao século XVIII, à força de compenetrar-se dessa época. (Os dois procedimentos são impossíveis, mas o de James é menos arbitrário.) Em The Sense of the Past, o nexo entre o real e o imaginário (entre atualidade e passado) não é uma flor, como nas ficções anteriores; é um retrato que data do século XVIII e que misteriosamente representa o protagonista. Este, fascinado por essa tela, consegue trasladar-se à data em que foi executada. Entre as pessoas que encontra, figura, necessariamente, o pintor; este o pinta com temor e aversão, pois intui algo de incomum e anômalo nessas feições futuras… James cria, assim, um incomparável regressos in infinitum, já que seu herói, Ralph Pendrel, traslada-se ao século XVIII. A causa é posterior ao efeito, o motivo da viagem é uma das consequências da viagem.
Wells, verossimilmente, desconhecia o texto de Coleridge; Henry James conhecia e admirava o texto de Wells. Claro que, se for válida a doutrina de que todos os autores são um autor, 2 tais fatos são irrelevantes. A rigor, não é indispensável ir tão longe; o panteísta que declara que a pluralidade dos autores é ilusória encontra inesperado apoio no classicista, segundo o qual essa pluralidade importa muito pouco. Para as mentes clássicas, a literatura é o essencial, não os indivíduos. George Moore e James Joyce incorporaram, em suas obras, páginas e sentenças alheias; Oscar Wilde costumava dar seus argumentos de presente para que outros os executassem; ambas as condutas, embora superficialmente opostas, podem evidenciar um mesmo sentido da arte.
1 Não li The Sense of Past, mas conheço a suficiente análise de Stephen Spender, em sua obra The Destructive Element (p. 1O5 1O). James foi amigo de Wells; sobre a relação deles pode-se consultar o vasto Experiment in Autobiography, deste último.
2 Em meados do século XVII, o epigramatista do panteísmo Angelus Silesius disse que todos os bem aventurados são um ( Cherubinischer Wandersmann, V, 7) e que todo cristão deve ser Cristo (op. cit., V, 9).
Um sentido ecumênico, impessoal… Outra testemunha da unidade profunda do Verbo, outro pegador dos limites do sujeito, foi o insigne Ben Johnson, que, empenhado na tarefa de formular seu testamento literário e os ditames favoráveis ou adversos que dele mereciam seus contemporâneos, limitou-se a combinar fragmentos de Sêneca, de Quintiliano, de Justo Lipsio, de Vives, de Erasmo, de Maquiavel, de Bacon e dos dois Escalígeros.
Uma última observação. Aqueles que copiam minuciosamente um escritor fazem-no de modo impessoal, fazem-no por confundir esse escritor com a literatura, fazem-no por supor que se afastar dele em um ponto é afastar-se da razão e da ortodoxia. Durante muitos anos, eu acreditei que a quase infinita literatura estava em um homem. Esse homem foi Carlyle, foi Johannes Becher, foi Whitman, foi Rafael Caninos-Asséns, foi De Quincey.
Outras inquisições
Tradução de Sérgio Molina
Revisão das traduções: Jorge Schwartz e Maria Carolina de Araujo
Editora Globo, 1999

NOVA REFUTAÇÃO DO TEMPO
Vor mir war keine Zeit, nach mir wird keine seyn.
Mit mir gebiert sie sich, mit mir geht sie auch ein. 1
Daniel Von Czepko: Sexcenta Monodisticha Sapientum, III, 1655.
Nota Preliminar
Se publicada em meados do século XVIII, esta refutação (ou seu nome) perduraria nas bibliografias de Hume e talvez tivesse merecido uma linha de Huxley ou de Kemp Smith. Publicada em 1947 — depois de Bergson —, é a anacrônica reductio ad absurdum de um sistema pretérito ou, o que é pior, o precário artifício de um argentino extraviado na metafísica. Ambas as conjeturas são verossímeis e talvez verdadeiras; para corrigi-las, não posso prometer, em troca de minha dialética rudimentar, uma conclusão inaudita. A tese que propalarei é tão antiga quanto a flecha de Zenão ou a carruagem do rei grego, no Milinda Pañha; 2 a novidade, se é que há alguma, consiste em aplicar a esse fim o clássico instrumento de Berkeley. Este e seu continuador, David Hume, são pródigos em parágrafos que contradizem ou excluem minha tese; creio ter deduzido, não obstante, a consequência inevitável de sua doutrina.
O primeiro artigo (“A”) é de 1944 e apareceu no número 115 da revista Sur; o segundo, de 1946, é uma revisão do primeiro. Deliberadamente, não fundi os dois em um só, por entender que a leitura de dois textos análogos pode facilitar a compreensão de uma matéria indócil.
Uma palavra sobre o título. Não me escapa que este é um exemplo do monstro que os lógicos denominaram contradictio in adjecto , pois dizer que é nova (ou antiga) uma refutação do tempo é atribuir-lhe um predicado de índole temporal, que instaura a noção que o sujeito pretende destruir. Ainda assim, prefiro mantê-lo, para que seu ligeiríssimo escárnio prove que não exagero a importância desses jogos verbais. De mais a mais tão saturada e animada de tempo está nossa linguagem que é bem provável que não haja nestas páginas uma sentença que de certo modo não o exija ou invoque.
TRECHO DE
Outras inquisições
Tradução de Sérgio Molina
Revisão das traduções: Jorge Schwartz e Maria Carolina de Araujo
Editora Globo, 1999

Financiamento:
