CADERNOS DE ARTISTA

Animais Noturnos
2024, 11min, RJ

Animais Noturnos

Sob o céu azul da cidade do Rio de Janeiro, uma moça espera o trem chegar. Mas quando ele se aproxima, ela não anda até a porta, em vez disso ergue seus gigantescos braços em direção aos trilhos: ela quer pegar o trem com as mãos. Essa moça é a Mutante, uma enorme criatura que vive sobre a cidade, complementando-a como mais um de seus pontos turísticos.
Seu dia começa em uma deriva à procura com o que se entreter e distrair de sua existência levemente exilada. Pelo centro do Rio, caminha chupando pirulito e bebendo café numa xícara minúscula. O dia não poderia ser mais pacato para a monstra. Naquele dia, seu olhar sedutor indica que quer aprontar alguma.
Longe do centro e dos sons abismais da Mutante, Mulher trabalha em seu ateliê esculpindo mais um vaso de argila. Mulher é uma doce escultora, que exibe em suas paredes fotografias de outras monstras na cidade. A artista se mantém concentrada em seu ofício, alheia a sons e tremores distantes que cada vez mais vão cercando o entorno de seu prédio; os cachorros também latem e anunciam o inevitável: Mutante se aproxima dali.
As andanças da monstra a levaram até a rua do ateliê da Mulher. Os ruídos sutis provocados por Mulher despertam a sua curiosidade. Assim, Mutante vai até a sua janela para bisbilhotar. De lá, vê Mulher olhando a com perplexidade e hesitação. A respiração, os rugidos e o barulho da monstra preenchem o ambiente, que se olham continuamente.
Mulher decide dar um de seus vasos para a monstra, que alcança o pequeno presente com os braços. Este gesto toca Mutante. Ninguém nunca havia lhe dado algo além de buzinadas ou gritos. Dentro dela, inicia se uma metamorfose que a leva para um outro mundo. Lá, Mutante e Mulher se encontram, agora do mesmo tamanho. Felizes em estarem juntas, dão as mãos e caminham para dentro da floresta.
Ficha técnica

Direção: Indigo Braga e Paulo Abrão
Produção: Marina Meliande e Felipe M. Bragança
Direção de Fotografia: Lucas Magalhães
Direção de Arte: Giulia Maria Reis
Som: Tomaz Viterbo

Montagem/Edição: Luciano Carneiro
Elenco: Azizi Cypriano e Indigo Braga
Roteiro: Indigo Braga e Paulo Abrão
Trilha: Rô Tapajós e Jonas Sá
Figurino: Iah Bahia:
Finaliazação de Som: Daniel Vellutini

Festivais, Mostras e Prêmios

FestCurtasBH

Janela do Recife

MixBrasil

Primeiro Plano

Mostra de Tiradentes

BIOGRAFIA DE ARTISTA

Indigo Braga (1997) é artista visual e cineasta carioca, graduanda em Artes Visuais pela UFRJ e curso de Direção pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Seu trabalho visa a construção de novos arquivos e memórias criados por ficções e imaginários sonháveis, mesclando linguagens e técnicas contemporâneas.

FILMOGRAFIA

TRAVA MINGUANTE, TRAVA CRESCENTE (2020, 6)
ANIMAIS NOTURNOS (2024, 11)

Paulo Abrão (1995) Paulo Abrão é químico, pesquisador e produtor cultural. Especialista lato sensu em Ações Poéticas e Educacionais na Contemporaneidade pela Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR) e em Divulgação e Popularização da Ciência pela FIOCRUZ/RJ. Atualmente, é doutorando em Educação em Ciências e Saúde (UFRJ), pesquisando os conflitos tensionados pela educação do campo. Na área das artes, atua a partir da apropriação de fotografias e na produção audiovisual.

FILMOGRAFIA

Primeiro filme.

SOBRE A OBRA

Animais Noturnos é um desdobramento da série Ocupação Mutante, de 2019, desenvolvida por Índigo Braga. A série fotográfica criada em 2019 parte de uma reinterpretação dos kaijus — criaturas icônicas da cultura japonesa, como King Kong e Godzilla, que personificam a relação entre a cidade e o corpo monstruoso. Ao se inspirar nessa estética, o projeto resgata elementos da cultura pop, mas também cria um paralelo com vivências humanas, especificamente com a experiência de ser um corpo travesti na cidade. 

No filme, no entanto, a ideia de “criatura” faz referência (mesmo que póstuma, já que encontramos o poema depois do desenvolvimento e da produção do filme) a poeta travesti chilena Claudia Rodriguez, ao escrever em 2015 no zine “Dramas Pobres” — “Quando assisti o King Kong morrer, sabia que era eu quem a indústria  estava matando. Não se pode ser tão grande, tão feia e viver no centro da cidade”. A escritora, ao se sentir representada pelo King Kong, compara sua vivência enquanto travesti com a dos  monstros da ficção — ambos perseguidos pela cidade.

A partir desta analogia, o filme busca criar uma imagem de um corpo trans gigante confortável na cidade, e não pela destruição como fazem os corpos da ficção científica. Aqui, busca-se por uma representação mágica da grandiosidade da existência trans e travesti, em um diálogo com seu entorno geográfico. 

Dramas Pobres 

(Fragmento do zine de Claudia Rodriguez)

“Sé que cuando vea una película voy a llorar. Holliwood destruyó la ilusión de mi infancia. Siempre los malos de las películas morían o quedaban tullidos, ninguno se salvaba de su cruel destino. Cuando vi morir a King Kong supe que era a mí a quien la industria estaba matando. No se puede ser tan grande, tan fea y vivir en el centro de la ciudad.”