CADERNOS DE ARTISTA
Buraco Negro
2025, 19min, RJ


Buraco Negro
Assistindo a um filme, descobri que, pela luz em volta do buraco negro, é possível estudar tudo que ele já engoliu.
Ficha técnica
Direção: Rafael Spínola
Produção: Rafael Spínola
Som: Hugo Rocha
Montagem/Edição: Rafael Spínola
Elenco: Cecília Gallindo
Roteiro: Rafael Spínola
Festivais, Mostras e Prêmios
Estreia no Cine Esquema Novo.

BIOGRAFIA DE ARTISTA

Rafael Spínola (1992) realizou os curta-metragens Nossos Traços, Gigante, Janela, A Mentira, Bicho Azul e Buraco Negro, sendo selecionado para festivais como o próprio Cine Esquema Novo, IndieLisboa, Mostra de Cinema de Tiradentes, Panorama Coisa de Cinema e ganhando prêmios como Melhor Curta Nacional no Festival do Rio, Melhor Curta Nacional no Janela Internacional de Cinema do Recife, Prêmio Especial do Júri no Cine Esquema Novo e Prêmio de Melhor Projeto Carioca no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro – Curta Cinema. Também dirigiu o longa-metragem O Cerco, que teve estreia na Mostra de Cinema de Tiradentes. Como roteirista, escreveu séries, filmes e podcasts como Senna, Praia dos Ossos, Collor vs Collor, Arcanjo Renegado, Impuros, Eleita, Adriano Imperador e outros.
COMENTÁRIO DE ARTISTA
“Meu primeiro trabalho no cinema foi como monitor do Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro – Curta Cinema. Minha função era ficar dentro da sala do Cine Odeon, o Maracanã dos cinemas cariocas, e abrir a porta entre um curta e outro para os espectadores poderem entrar sem atrapalhar tanto a sessão. Nesse ano, vi todos os filmes do festival e descobri a paz no momentinho em que desligam a luz e a projeção ainda não começou.”
FILMOGRAFIA
Nossos Traços – (2013, 4min)
Gigante – (2014, 12min)
Janela – (2016, 20min)
A Mentira – (2019, 15min)
Bicho Azul – (2020, 8min)
O Cerco – (2021, 90min)
Buraco Negro – (2024, 20 min)
TRILHA SONORA
TRILHA SONORA BURACO NEGRO
SOBRE A OBRA

oi. ontem eu fui no cinema. depois de dois anos sem ir, trancada dentro de casa, eu fui no
cinema. eu fiquei o dia inteirinho lá. cheguei depois do almoço e saí só de noitinha. eu
normalmente odeio isso, entrar num lugar de dia e sair só à noite, porque parece que o
tempo passou sem a gente. mas ontem eu até que gostei. entrar naquela sala, a luz apagar.
eu gosto desse momento depois de desligarem as luzes e antes de ligarem o projetor. esse
entre-tempo, esse momentinho é o melhor lugar do mundo. o nada, um vazio bom. assim, é
confortável, sabe? é um momento em que a gente tá sozinha, mas na verdade não tá.
porque de qualquer jeito, tem mais gente na sala. acho que o cinema é o único lugar em
que eu fico bem sozinha. mas sabe que eu gostava muito de ir contigo. mas também gosto
de ir sozinha.
–
o primeiro filme que eu vi foi o novo de godzilla. me fala, como é que tem tanto filme sobre o
godzilla? mas eu até que gostei. entendi o godzilla, me simpatizei com ele. ele é um tadinho
na real. o bicho só é grande demais praquela cidade. praquela tokyo de maquete. aí tropeça
num poste, esbarra num outdoor, derruba as coisas, sai batendo em tudo, mas é sem
querer, sabe? aí vem o povo e começa a atirar nele, tacar coisa. atacar o bichinho. mas ele
tava fazendo nada. mas se começam a atirar em tu, tu faz o que? aí ele fala ah, foda-se
essa merda, vai te fuder, e começa a quebrar a porra toda. mas ele não faz por mal. ele só
é grande demais praquele lugar.
–
nessa sessão sentou perto de mim uma mulher, uma senhora já. e ela tava com um
perfume que era igual o teu. aquele verde. e eu fiquei imaginando o godzilla passando
perfume antes de sair de casa.
—
depois eu fui ver um filme de amor. coisa mais linda. um casal que não podia ficar junto,
mas fica. esse eu já tinha visto, mas encaixava no horário e eu tinha gostado. tu sabe como
eu gosto de filme de amor, então eu decidi rever.
às vezes eu até acho mais importante rever filmes do que ver novos. no novo a gente fica
tentando saber o que vai acontecer, se surpreende com cada acontecimento. e quando a
revê filme, a gente fica mais tranquilo, presta mais atenção nos detalhes, nas coisas. eu
gosto mais….
tem uma hora no filme que a moça fala pra outra “com você o futuro é um conceito vago e
inútil”. eu até peguei meu caderno pra anotar porque eu achei tão lindo. “com você o futuro
é um conceito vago e inútil”. eu fiquei pensando que o cinema é assim né? ali dentro
daquela sala, naquele espaço, por duas horas mais ou menos, dentro daquela história,
imerso naquele universo, o futuro, a vida lá fora, tudo isso é um conceito vago e inútil pra
quem assiste….
a menina tinha diastema, sabe, os dentinhos da frente separados? e eu acho tão bonito. e
ela falava assim uma hora”o amor é um abismo-ismo e faz eco”…. não faz? faz faz faz….
numa outra hora, a menina que não tem diastema fala pra que tem “eu te amo dez metros”.
a de diastema responde “eu te amo cinquenta pés”. fiquei pensando quantos pés tem um
metro. e fiquei pensando que a gente ama, cada um na sua própria medida. e é engraçado
que, sei lá, o espaço do diastema também seja o espaço do amor, da medida. e se
relacionar nada mais é que achar um bom sistema de conversão.
—
aí, fui pro terceiro filme. um filme completamente diferente, como se fosse um outro bicho,
de uma outra espécie. mas foi como se os outros dois tivessem dentro dele. como se os
filmes ficassem dentro das salas. um bicho dentro do outro, várias camadas que vão se
sobrepondo. e todos os filmes fossem se juntando, se acumulando ali naquela tela pra
gente ver….
era um filme sobre um físico e um cachorro. e meio que só isso. esse cara, que estuda os
buracos negros, e o cachorro dele. um filme muito doido. eu achei muito doido. e eu gostei
muito, na real. e eu não sei muito bem porque que eu gostei, mas eu gostei. acho que ele é
o que chamariam de um filme lento, mas eu também fiquei pensando no que isso significa.
um filme lento? ele tinha uma hora e meia, como todos os outros; se passava em não sei
quantos frames por segundo, como todos os outros também. então ele não era lento nada.
o tempo é o mesmo, a gente que não tá acostumado a ficar ali, observando… pouca coisa…
eu não entendi bem a parte da física e do buraco negro, mas ele estudava a luz que fica em
volta do buraco negro, que meio que é distorcida por ele. pelo buraco. e parece que por
essa luz dá pra estudar toda a história do buraco negro e tudo que ele já engoliu. é mais ou
menos isso. essa parte toda da física era meio irônica… não dá pra dizer que era irônica,
mas era irônica. e eu gostei muito disso. mas o filme não era sobre isso. o filme era sobre
esse cara. e o cachorro dele. e… sobre… sopas…. sobre estrelas cadentes…. sobre… casa.
sobre uma vida. sobre estar grávida. e, sabe? sobre não ter a menor ideia do que fazer da
vida.
—
bom, desculpa esses áudios gigantes, o podcast, e, sabe? na real eu nem sei porque que
eu to te mandando isso, mas eu queria compartilhar, queria te contar desse dia que foi tão
especial pra mim e que me fez lembrar muito de tu. dia que aliás termina numa festa. depois
do cinema eu por acaso encontrei os meninos e a gente foi para uma festa. também não ia
numa festa há muito tempo. tava tocando uma música estranha. meio techno, assim. e
pensei em tu aí nessa cidade fria que tu tá, indo nas boates techno, dançando essa música
que tu gosta. impossível não pensar em tu. e eu fechei os olhos e foi como se… de alguma
maneira… a gente tivesse junto. dançando junto.
—
último áudio, prometo. tinha uma cena nesse filme do físico, que era ele cortando um pão
com uma faca, mas o pão tava muito duro e ele não conseguia. e era como se o pão tivesse
cortando a faca. sabe? eu não sei o que aquilo queria dizer, mas eu fiquei pensando que no
cinema a gente não precisa ter resposta pra nada. a ideia é pegar uma pergunta e talvez
com ela encontrar, na verdade… outras perguntas. perguntas melhores. e eu acho isso
libertador. porque se tu for parar pra pensar, no cinema, dá para o pão cortar a faca. porque
no cinema dá pra fazer tudo.
eu espero que tu também teja fazendo por aí.
é isso. acho que é isso. é isso.
beijo. beijo em tu. tchau.
OBRAS DE REFERÊNCIA
Mauro em Caiena
“Com o cinema do Leonardo Mouramateus aprendi que o Godzilla não é mal e que um filme pode também ser uma festa.”
Se – Ian Capillé
“Ian se coloca e se inventa”
Buraco Negro
“Com Neil deGrasse Tyson aprendi que pela luz em volta do buraco negro é possível descobrir tudo que ele já engoliu.”
Entrevista Miguel Gomes sobre tabu
“Miguel Gomes diz que o cinema é bateria, precisa de dois polos, um negativa e outro positivo, pra ganhar energia.”
OBRA CONVIDADA
Duas cartas
2014, 08min, RJ
de Helena Lessa e Jorge Polo
Justificativa
Me tocaram as palavras e festas sinceras de “duas cartas”. Também gosto da possibilidade de ordenar e reordenar letrinhas.
Sinopse
troca de cartas e uma festa algum tempo atrás.
