CADERNOS DE ARTISTA

Oração
2023, 30min, CE

Oração

Oração é um filme-canto: duas musicistas e um bailarino elaboram a relação entre memória diaspórica afro-brasileira e a canção popular, sobretudo o samba. Com uma montagem fragmentada, improvisações musicais e proposições de dramaturgia com textos e falas de poetas como Edimilson de Almeida Pereira, Aimé Cesáire, Lucille Clifton, Gilberto Gil, Zé Keti e Nelson do Cavaquinho.
Ficha técnica

Direção: Haroldo Saboia
Produção: Silvana Ramalhete
Produção Executiva: Silvana Ramalhete
Direção de Fotografia: Isadora Brant
Direção de Arte: Hayge Mercúrio e Diogo Gomeva
Som: Vivi Rocha Jones

Montagem/Edição: Haroldo Saboia
Elenco: Josyara, Rogério Martins e Alysson Amaral
Roteiro: Haroldo Saboia

Festivais, Mostras e Prêmios

Festival de Cinema de Ribeirão Preto

19ª Mostra de Cinema de Ouro Preto

Bijou Film Festival

BIOGRAFIA DE ARTISTA

Haroldo Saboia (1985) é cearense, trabalha como artista visual, cineasta, pesquisador acadêmico e psicanalista. Sua pesquisa artística concentra-se nas ideias de relação, alteridade e memória. É mestre em Psicologia Clínica onde pesquisou estratégias ficcionais da memória para pensar a relação entre o embranquecimento e as noções de mestiçagem. Atualmente, realiza projetos interdisciplinares entre cinema, música, artes visuais e dança, elaborando questões entre a oralidade, a música e a espiritualidade. Já apresentou trabalhos em galerias privadas e instituições públicas no Brasil e em vários países.

FILMOGRAFIA

Oração – (30min, 2023)
Filme-Tempo – (6min, 2020)
Quando eu falo trem, um trem atravessa minha boca – (30min, 2020)
Na medida em que caminho – (15min, 2018)
Carta à Solidão – (5min, 2017)

IMAGENS
PEQUENOS TRECHO DE ROTEIRO
CANÇÕES
NOTAS DE PROCESSO

DEREK WALCOTT

“I have never separated the writing of poetry from prayer.

I have grown up believing it is a vocation, a religious vocation.”

TARÔ DO SAMBA
NEGRO CANTO

A canção na música popular, apesar de natureza intelectual e crítica, demonstra através de seus versos, temas como o amor, o desengano, a incompreensão, a solidão, os fracassos, a morte, a coragem, a transformação, as vitórias etc. São esses os temas evocados na série, mas não de um modo direto, e sim, através da musicalidade, portanto, filmes-canto.

Uma das referências para este filme é o cineasta inglês John Akomfrah que fez parte do Black Audio Filme Collective. O cineasta em seu filme “O último anjo da história”, desenvolve a ideia de que o colonialismo foi uma intervenção tecnológica na história. E que somente por meio de uma outra intervenção tecnológica na história podemos alterá-la. Aqui, a tecnologia é a da narrativa fílmica em diálogo com a música, o canto, a memória.

Se os corpos da diáspora e seus herdeiros foram desterrados de suas posses, de suas línguas, do seu pertencimento, apenas a memória do corpo é que permanece. Portanto, o filme propõe a música como esse modo de reativação da memória do corpo. E por isso, a batida, ou o beat – aquilo que é possível trazer no corpo – seria essa unidade mínima de memória.

E num mundo tecnológico, o beat é também uma unidade de informação: o sample. Portanto, o Jogo da Memória é como o “beat”. O beat como unidade musical, ou fragmento rítmico, que atravessa o tempo, a história e os continentes. O beat enquanto tecnologia diaspórica de resistência, carrega em sua natureza os códigos culturais de um território e de seus afetos.

O dispositivo cênico do tarot de canções, que anunciamos anteriormente, entra em cena como dispositivo de roteiro. São fragmentos que contém a força de uma textualidade negra e que tem efeitos para disparar uma improvisação e um canto.

Versos icônicos, como por exemplo: “Eu quero nascer, eu quero viver” (Cartola); “Não queria ser o campo, me bastava o grão” (Ederaldo Gentil); “Ninguém pode explicar os encontros, ninguém pode explicar a vida” (Paulinho da Vila); ” Só me resta seguir rumo ao futuro certo de meu coração”; “Meu amor, não posso esquecer, muita alegria faz também sofrer” (Chiquinha Gonzaga) fazem parte do dispositivo e do material reunido pelo tarot.

Entre o que se lembra, se relata e se canta, há este espaço de evocação da memória que a canção emana. Um movimento ficcional de passagens da vida através desse campo comum da canção, a traduzir-se e inventar-se através dessas músicas. As tensões entre lembrar e esquecer nos dizem sobre a mediação do sofrimento, em perspectiva histórica e subjetiva, que estas canções trazem, mas que ao mesmo tempo, nos conduzem à dissolução e a sua expressão de vitalidade.

O ESPÍRITO DA INTIMIDADE
UNDIÚ: O ORÁCULO POPULAR
OUTROS TRABALHOS DO ARTISTA
OBRAS DE REFERÊNCIA

O Último Anjo da História
1996, 45min

de John Akomfrah

Justificativa

Uma das referências para o filme Oração é o clássico documentário do cineasta inglês John Akomfrah que fez parte do Black Audio Filme Collective, intitulado de “O último anjo da história”. Nele, o diretor desenvolve a ideia de que o colonialismo foi uma intervenção tecnológica na história. E que somente por meio de uma outra intervenção tecnológica na história podemos alterá-la. Se os corpos da diáspora e seus herdeiros foram desterrados de suas posses, de suas línguas, do seu pertencimento, apenas a memória do corpo é que permanece. Portanto, o curta Oração propõe a música como esse modo de reativação da memória do corpo. E por isso, a batida, ou o beat – aquilo que é possível trazer no corpo – seria essa unidade mínima de memória. E num mundo tecnológico, o beat é também uma unidade de informação: o sample. Oração é como um “beat”. O beat como unidade musical, ou fragmento rítmico, que atravessa o tempo, a história e os continentes. O beat enquanto fabulação da memória que carrega em sua natureza os códigos culturais de um território e de seus afetos. Um território não necessariamente físico, mas de miudinhos e vastidões, de aberturas e vinculação a vida.

Sinopse

Um ensaio fílmico sobre a estética negra que traça as ramificações da ficção científica dentro da cultura pan-africana. Akomfrah articula o uso de imagens da nave espacial e do alienígena no trabalho de três músicos de gênio excêntrico – Sun Ra, George Clinton e Lee Perry -, para em seguida abordar a obra dos escritores da ficção científica negra Octavia Butler e Samuel Delany. O filme sugere que a nave espacial e o alienígena têm ressonâncias óbvias na condição diaspórica de exílio e deslocamento. Akomfrah expande sua constelação para incluir desde Walter Benjamin até DJ Spooky, traçando um itinerário pela música e ficção científica negras, a fim de lançar um olhar revelador sobre a modernidade na aurora da era digital.

O Canto dos Escravos
1982, disco

de Clementina de Jesus, Tia Doca e Geraldo Filme

Justificativa

Referência bonita ao Oração, pois esse disco de 1982, une vozes essenciais a música brasileira como Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme. E nele, há um rico registro dos cantos dos benguelas na região de Minas, em especial, diamantina.

Partido Alto
1982, 23min

de Leon Hirszman

Justificativa

 Partido Alto e Nelson do Cavaquinho de Leon Hirszmann, nos quais o diretor capta e constrói cenas cotidianas e improvisadas da rotina e dos ensaios desses músicos, realizando pequenos retratos poéticos destes personagens. Uma investigação e uma ode ao samba.

O Cinema Falado
1986, 112min

de Caetano Veloso

Justificativa

Por fim, Oração tem como referência filme Cinema Falado, realizado por Caetano Veloso onde o músico e cineasta. Nele o artista constrói um filme-ensaio por meio de um mosaico de cenas e esquetes que contam com declamação de poesia, registros musicais no Rio e na Bahia e diálogos improvisados, elaborando uma narrativa fractal.