Welket Bungué
Welket Bungué
2020, 7min, Guiné Bissau
Welket Bungué
2020, 7min, Guiné Bissau
CACHEU CUNTUM
CACHEU CUNTUM
Mostre ao Mundo, com orgulho, a diferença de ser dominado e de ser livre. Aplique a “riqueza da terra na terra”. E ama ao teu irmão como a ti mesmo. Aliás, é o que justifica a chama da Revolução. - Paulo T. Bungué, in 'Cabaró, Djito Tem!' (1996) |
Argumento e Realização: Welket Bungué
Performers: Buba Cabral, Kristin Bethge e Welket Bungué
Participação Especial: António Spencer Embaló, Fátima Alatrache (mãe) e Rosete Cordeiro (mana)
Narrador: Pascoal Gomes
Local Captação da Narração: Memorial de Escravatura e de Tráfico Negreiro de Cacheu (Junho, 2019)
Direção de Fotografia: Welket Bungué
Captação de Áudio: Welket Bungué
Montagem e Edição: Welket Bungué
Colorização e Finalização: Welket Bungué
Música: Mû Mbana “Lungu di Bo (Bu Bonitásku)”
Mixagem: Welket Bungué
Grafismo: Welket Bungué
Tradução e Legendagem: Welket Bungué
Produtor: Welket Bungué
Produção:KUSSA Productions
Agradecimentos Especiais: Dona Carla Tomás Cabral (Mãe de Buba), Pipi (Irmão de Buba) e Miguel de Barros
Super 9 Mobile Film Fest 2021 (Portugal)
BIOGRAFIA DE ARTISTA
BIOGRAFIA DE ARTISTA
PALAVRAS DO AUTOR
Entre maio e junho de 2019 estive pela primeira vez na Guiné-Bissau, após ter saído de lá em 1991 a caminho de Lisboa com apenas 3 anos de idade. O meu regresso à terra-mãe foi especial, profundo e muito cósmico. Nesse retorno, já com 31 ano de idade, aventurei-me por terras de Cabral e Okinka Pampa, levando em minha companhia a Kristin Bethge, a minha mãe (Fátima B. Alatrache) e ainda a minha irmã Rosete, que vive em Bissau. Ao longo de cerca de 30 dias, pude conhecer a praça (nome dado à zona centro da capital Bissau), conheci o Bairro Cuntum Madina e outros bairros populares de Bissau, conheci as regiões onde se situa Nhacra, Bambadinca, Ilhéu do Rei e claro Cacheu. Descobrir Cacheu e o seu famoso forte com as figuras estatuárias que antagonizaram as culturas e gentes da África ocidental durante cerca de 400 anos, tais como Honório Pereira Barreto. Estar ali significou confrontar-me com o passado escravagista profundo que redefiniu o curso da história do território da Guiné-Bissau (nativo Reino Papel, e de Bissalanca), - porque justamente Cacheu foi um entreposto de grande relevância para o escoamento de pessoas escravizadas. Essas pessoas eram capturadas e trazidas de vários lugares da costa ocidental de África, para serem vendidos às embarcações que ali se iam “reabastecer” de corpos expropriados ao continente africano. Miguel de Barros, o célebre sociólogo Bissau-guineense panafricanista, levou-me ao Memorial de Escravatura e de Tráfico Negreiro de Cacheu onde pude pela primeira vez ouvir falar da história pré-colonial da Guiné-Bissau através da voz de um jovem homem negro de nome Pascoal Gomes. Pascoal guiava-me pelo Memorial enquanto me relatava quase que instrutivamente aquilo que foi o modus operandi dos escravocratas e regentes que se instalaram na Guiné-Bissau a mando da coroa portuguesa, e que exploravam todos os recursos naturais, humanos e simbólicos, gerando uma triangulação de lógica mercantilista e lucrativa, que funcionava no eixo Guiné-Bissau, Cabo Verde e Brasil. A história recente da Guiné-Bissau assenta-se muito nos episódios da pré-revolução independentista e os que se lhe seguiram, - pelo menos na minha geração - é o que mais se proliferou enquanto informação das crónicas da vida social-política na Guiné-Bissau, entre o séc. XX até à atualidade. É certo que o período colonial, dado a sua violência, deturpou muito a visão e estima que se tem pelo país, mas também escamoteou a pérfida herança da escravatura desferida pelos europeus não só na Guiné-Bissau, como em toda a África. Essa perda identitária incomensurável ainda segue por saldar. No entanto, ao longo dos dias passados em Bissau, foi a Cuntum Madina onde pude presenciar pela primeira vez um "toka tchur" que é por assim dizer, um ritual de passagem da alma terrena para o mundo espiritual. Numa outra ocasião, acompanhei a Kristin a esse mesmo bairro, mas para fotografar um jovem chamado Buba, que tem o sonho de ser futebolista mas rapidamente se encantou pela máquina fotográfica da Kristin, e fui filmando-os ao longo desse encontro. 'Cacheu Cuntum' tem em imagem o que nem a distância, nem o tempo, nos permitiram até hoje compreender acerca da percepção que o povo Bissau-guineense tem sobre o seu passado. Falo de um passado velado pelas inúmeras falsidades geradas pela ocupação territorial no período da escravatura e colonial. Esse passado quer-se resgatar através da impressão e fixação de um renovado registo vivo, relatando o que é o cotidiano atual e “metaficional” daquilo que poderia ser a reminiscência dos que resistiram à opressão ao longo de 4 séculos de ocupação e exploração desumanas. 'Cacheu Cuntum' propõe uma experiência audiovisual, visual ou até, apenas sonora, daquilo que são as várias dimensões que compreendem a genética da construção da verdade histórica em oposição à realidade dos factos, que por sua vez deveriam humanizar e expiar os que sempre foram representados no lugar de oprimidos. Buba, segura a câmara e retrospetiva toda uma compreensão inconcebível na lógica imperialista e de dominação que outrora e ainda hoje é praticada pelas nações hegemónicas que lucram com a precariedade generalizada em alguns territórios em África. Mas, este filme agora existe, tal como existiram muitos outros filmes e escrituras que não puderam ser contados, não esta liberdade com que vos falo hoje. E por isso é preciso repensar a História, e nem que seja por instantes, que a possamos reescrever de uma maneira mais livre, viva e justa.