UFSM

Curadores: Max Guimarães e Emili Cargnin

O vídeo, como parte do todo que compõe o corpo do audiovisual, surge em um contexto de acesso mais simplificado à produção de filmes. Enquanto em 1965, com o lançamento da Super 8, o cinema era revolucionado a partir de sua acessibilidade com rolos de 8 mm, em 1967, o sistema Portapak da Sony permitiu a fundamentação de muitos trabalhos manipulando o vídeo. Algo que permitisse a operação individual da cinegrafia foi uma revolução na condição da produção de vídeo, que antes era praticamente exclusiva a grandes empresas, pois podiam pagar equipamentos pesados e uma equipe numerosa de pessoas para operá-los. Essas grandes empresas, dessa forma, controlam os meios que informam às pessoas, o que elas assistem em casa após o expediente; sobre o que elas vão conversar com os amigos no almoço do dia seguinte; o que elas vão se lembrar no mês que vêm e no outro depois desse. O paradigma, portanto, é o seguinte: O que está na TV, está na História. Para sempre. O contra-ataque, como pensaria Nam June Paik, está na possibilidade que o sistema Portapak dá de colocar outros contextos e estórias na TV, ou seja, na História com H maiúsculo. Por mais que ainda fosse a um grupo recluso de pessoas, o vídeo sempre teve essa relação com o corpo; ou melhor, o registro desse corpo no tempo e no espaço, seu movimento, seu desdobramento enquanto parte do todo ao redor.

No Brasil, esse sistema de vídeo, pelo seu alto preço e pouca acessibilidade, chegou por meio de Jom Azulay, ex-diplomata brasileiro, no final dos anos 60. Já tendo passado por instituições internacionais de cinema, ele, então, trouxe o equipamento pro Brasil. Por meio de seus contatos com artistas nacionais como Letícia Parente, Anna Bella Geiger, Miriam Danowski, Ivens Machado e outros, emprestou sua câmera e seus serviços como cinegrafista para a produção de vários trabalhos de videoarte.

Por meio das trocas e colaborações de instituições como o Museu de Arte Contemporânea da USP e a UFRGS, o vídeo foi se expandindo pelo campo do audiovisual e das artes visuais no Brasil. Isso é para tanto que atualmente no curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria, no coração do estado do Rio Grande do Sul, as disciplinas de vídeo dão introdução, espaço para experimentação e suporte na produção de peças de videoarte. Mostras como a MVV (Mostra de Vídeo ao Vivo), anual a partir de 2022, popular e acessível por se tratar de projeções vídeo no centro da cidade de Santa Maria, mostram como a produção é ativa e procura espaço dentro dos festivais e mostras.

Desde sua origem, o vídeo é uma porta que procura a emancipação entre tantos outros suportes tecnológicos da comunicação, do cinema e da arte. Seja por meio da dança, linhas, paisagens, documentações ou, de até, raptos, ele mostra essa diversidade de perspectiva e de diferentes corpos transitando entre a História, se fazendo presentes na História. Os artistas e os vídeos apresentados aqui propõem algo que, em comum, têm a poética do corpo, seja ela espacialmente ou conceitualmente. O vídeo, pela sua repetibilidade, permite uma multi disposição. Pode-se reproduzi-lo em diferentes suportes e, o mais importante, diferentes lugares; ocupar com o vídeo, nesse sentido, é ocupar com o corpo; é uma possibilidade de outros corpos se afirmarem presentes em espaços que, esses, não são unanimemente aceitos. É com isso em mente que a mostra audiovisual da UFSM no Cine Esquema Novo tem como foco curatorial o vídeo e, principalmente, o corpo. A mostra “Vídeo: Uma antologia do corpo” procura dar espaço para o vídeo e a videoarte nas mostras e festivais audiovisuais.

A classificação indicativa foi determinada considerando a obra com a maior restrição entre as selecionadas deste programa.

Obras selecionadas

Ancoragem, de Valentina Rodrigues, 2024, 01min, UFSM.

Sinopse: “Ancoragem” busca unir som e vídeo em contextos opostos para realçar sentimentos e reflexões que a artista e sua família (ou possivelmente, todas as famílias gaúchas) tiveram durante a catástrofe de maio no Rio Grande do Sul. A angústia dos áudios faz contraste com a intensidade das fotos desfocadas, representando os picos de lembranças que se tinham enquanto víamos e ouvíamos reportagens sobre os mesmos lugares sendo levados pelas águas. Uma representação das lembranças importantes que ecoavam em nossas cabeças enquanto vivíamos momentos aflitivos, quando tentávamos segurar nossas lembranças, ansiando por essas não serem levadas pela catástrofe.

Desconfiguração de um Ser (In)Vertebrado BioDigital, de Tiago Felix, 2024, 01min, UFSM.

Sinopse: Desconfiguração é a ação de alterar a configuração de um programa ou sistema digital, a partir disso, pensando nas crescentes mudanças climáticas observamos os impactos que são causados nas vidas biológicas dos seres humanos e insetos, estes impactos muitas vezes causados por ações artificiais levam a desconfiguração de seus ambientes e corpos, com base nisso é apresentado os efeitos que essas alterações causam em seres BioDigitais.

Documentar o Nosso!, de Guio, 2024, 05min, UFSM.

Sinopse: “Documentar o Nosso!” é uma produção independente que reflete sobre nossa existência, o que nos motiva e, acima de tudo, o sentido de nossas vidas.

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Há muito espaço dentro de mim, de Jamille Marin e Júlia Urach, 2023, 02min, UFSM.

Sinopse: “Há muito espaço dentro de mim” é um trabalho colaborativo de Jamille Marin e Júlia Urach e interdisciplinar que relaciona a poesia, o vídeo e a dança. O vídeo trata da vida, da morte e o pulsar desses dois estados quando o corpo está em movimento.

Já não é tão certa a origem dos oceanos, de Jamille Marin, 2024, 01min, UFSM.

Sinopse: A videoarte “já não é tão certa a origem dos oceanos” se desenvolve a partir da sobreposição de camadas do corpo da artista e da sobreposição do corpo e de elementos naturais. Essa sobreposição é uma fuga na mesma medida que também é uma tentativa de reintegração, mas quanto mais se mergulha maior é a distância entre o eu e a origem.

Luz Transpassa Fragmentos, de Vinícius Maeda, 2024, 01min, UFSM.

Sinopse: Em “Luz Transpassa Fragmentos”, a obra mostra a forma como a luz interage com o espaço e os sentimentos que emergem dessa relação. A narrativa se desenvolve a partir de texturas craqueladas que simbolizam a luz branca, ao representar a fragmentação. À medida que esses fragmentos se desfazem, ocorre uma transição, ao revelar uma luz amarela. Essa transformação não apenas representa uma mudança física na luz, mas também uma mudança emocional. A videoarte propõe uma reflexão sobre como a luz molda as percepções e experiências no espaço, através do contraste entre o branco e o amarelo, que simboliza um estado de completude.

Mais algumas outras linhas sobre a próxima partida, de fpa, 2024, 02min, UFSM.

Sinopse: A partir de versos do livro “Jorge, a próxima partida, e mais algumas outras coisas “, tento passar a ideia de repetição e circularidade presente na estrutura dos textos.

 

O Eu Que Me Colore, de Tom Machado, 2024, 01min, UFSM.

Sinopse: Os diferentes pontos de vista em que somos postos e julgados diariamente implicam na nossa jornada de auto aceitação, gera o questionamento existencialista de que apenas somos o que somos pois estamos colocados diante de uma vasta gama de colorações transmitidas pelos olhares que nos cercam.

Pele Mista, de Anita Rizzatti, 2024, 02min, UFSM.

Sinopse: “Pele Mista” explora os conflitos internos e a busca por identificação e representatividade ao crescer como uma pessoa não branca. A obra acompanha as transformações desde a infância até a adolescência, culminando na aceitação plena na vida adulta, refletindo uma realidade vivida por mais de 45% da população brasileira.

[Produto Esgotado], de Esther Avila Schmidt, 2024, 03min, UFSM.

Sinopse: Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação. Em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo torturado, marcado, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Hoje, o corpo é um produto, conquistado pela apatia coletiva gerada no sistema. Se antes eram pessoas, hoje são coisas. Produtos. Que esgotaram. Não porque quiseram, mas porque foram esgotados. [Produto Esgotado] é o trabalho de conclusão de curso em Dança Licenciatura da estudante Esther Avila Schmidt.

RAPTO, de Leonardo Penna, 2022, 02min, UFSM.

Sinopse: Em um quarto sufocado pelo silêncio do isolamento, uma pessoa se perde entre lucidez e delírio. As paredes, agora fronteiras para uma mente fragmentada, refletem o desconforto de habitar um corpo que se dissolve em angústias reprimidas. O ar vibra com sussurros de memórias distantes, enquanto a realidade se desmancha em uma eterna madrugada. Entre gestos febris e gritos solitários, o desespero toma forma – um espetáculo íntimo de despersonalização, onde a busca por um fio de realidade se entrelaça à solidão de uma época marcada pela introspecção forçada.

ventum et terram, de Esther Avila Schmidt, 2021, 02min, UFSM.

Sinopse: O vento e a terra, um trabalho que envolve o elementar e a relação da natureza com o corpo, sobretudo do corpo que dança. Um experimento que vislumbra como estes elementos podem inspirar e atravessar um corpo para que o mesmo se mova. É uma ode ao som do vento que serve de música e a terra, que serve de palco.