8 perguntas para os criadores de “Performatividades do Segundo Plano”, Frederico Benevides e Yuri Firmeza

Dois filmes e uma série de fotografias compõem o trabalho selecionado para a Mostra Competitiva Brasil

*Por Luiza Piffero

 

O que acontece quando desconfiamos das imagens? O pesquisador, diretor e montador audiovisual Frederico Benevides e o artista visual, diretor e professor Yuri Firmeza fazem essa e outras perguntas no projeto “Performatividades do Segundo Plano”. Composto por dois filmes ensaio e uma série de oito fotografias lenticulares, o trabalho dá seguimento à pesquisa iniciada no filme “Entretempos”, de 2015. Desta vez, a dupla de artistas lança um olhar demorado aos figurantes. O primeiro filme analisa um grupo de retirantes em um cinejornal antigo, e o segundo, examina os modelos estéticos reforçados em videogames e por algoritmos de inteligência artificial que não identificam rostos fora do padrão. 

Como parte da Mostra Competitiva Brasil do 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira, o trabalho será exibido on-line em um formato inédito já que foi concebido originalmente para uma exposição na CasAvoa - Biblioteca Livro Livre Curió, centro cultural em Fortaleza. Até os autores estão curiosos para ver o resultado.

Confira abaixo a entrevista respondida em conjunto por Frederico Benevides e Yuri Firmeza: 

 

1 - Segundo a sinopse, “Performatividades do Segundo Plano" quer revelar o que passa despercebido, desconfiar de imagens que reforçam padrões. O que motivou vocês dois a começar um projeto para destrinchar esse tipo de imagem?

Frederico Benevides e Yuri Firmeza – Nos parece que, seja no cinema, na publicidade, na política e daí afora, as imagens que nos atravessam não nos deixam incólumes. Diríamos, assim, que uma leitura atenta, por um viés arquegeneaológico das imagens, se faz necessária para entender os processos e disputas de narrativas, de imaginários, de mundos que essas imagens performam. Portanto, destrinchar a imagem – o que não corresponde a dissecá-la – é um modo de abri-la, de espreitá-la para além das evidências. De, no limite, desmontá-la.   

2 - Acreditam que trazer os figurantes para o cerne da discussão pode mudar a forma como vemos o cinema e o audiovisual como um todo?

Não conseguimos precisar o real efeito que o trabalho pode disparar, mas acreditamos que seja muita pretensão mudar a forma como “o público” vê o cinema. O que podemos precisar é que muda nossa forma de fazer cinema, de nos relacionarmos com as imagens. Na esteira de Paulo Freire, que diz que a educação não muda o mundo, mas muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo, poderíamos nos perguntar o que muda quando deslocamos o lugar do figurante, quando produzimos outros agenciamentos e esvaziamos o centro.

 


Frederico Benevides. Crédito da foto: Divulgação

 

3 - Como foi o processo de pesquisa para o trabalho, visto que ele utiliza desde imagens de arquivo até cenas de games?

Essa pesquisa já vem acontecendo há alguns anos, cada um vindo de um lado, até que ao trabalhar juntos no “Nada É” (dirigido por Yuri, montado e finalizado por Frederico), encontramos uma convergência que desembocou no Entretempos.

4 - Por que vocês optaram por abranger, em um só trabalho, ficção e documentário, passado e futuro, vídeo e fotografia, humano e computador? Ou seja, quais as questões que surgem a partir dos diálogos entre essas diferenças?  

Para além da natureza das imagens e dos sons ou, digamos, das técnicas empregadas, acreditamos que o decisivo é a intensidade que passa pela obra, que trespassa as imagens-sons. Desse modo, estivemos atentos a este diapasão em suas variáveis. E estas intensidades, evidentemente, se acentuam ou se atenuam de acordo com as relações que a gente cria entre elas. Assim, trata-se de pensar a forma-força dessas diferenças, numa composição que não produza nenhuma síntese, mas, ao contrário, deixe as diferenças agirem e derivarem com, no e a partir do trabalho.

5 - Essa não é a primeira vez de vocês no CEN. Frederico já participou diversas vezes: em 2011, como diretor de “As Corujas”, dentro da Mostra Competitiva de Curtas e Médias Metragens, que voltou ao festival em 2013, dessa vez dentro da Mostra Guto Parente. Participou da Competitiva Brasil em 2014 com “Visita do filho” e em 2018 com “26 postais para Dica”. Em 2015, “Viventes” fez parte do Forum Expaned Exhbition. Yuri esteve conosco na Competitiva Brasil duas vezes: em 2014 com “Nada é” e em 2018 com “Apenas um gesto ainda nos separa do caos”. Como é a relação que vocês têm com o Festival? 

O festival sempre acontece como um espaço de troca muito rico e inventivo. O acolhimento aos filmes e suas questões, de uma maneira muito viva, cria um ambiente de experiência de onde sempre saímos com algo, o que infelizmente não é a regra quando se fala de festivais, onde muitas vezes as presenças parecem facultativas. A distância imposta pelo descalabro que vivemos, de uma maneira tristíssima (FORA BOLSONARO), interrompe a possibilidade do encontro. O que nos deixa tristes por um lado, mas por outro ansiosos por ver o que vocês inventaram para essa edição. 

 


Yuri Firmeza. Crédito da foto: Divulgação

 

6 -  Esse trabalho já foi exibido como exposição, no centro cultural CasAvoa - Biblioteca Livro Livre Curió, em Fortaleza. Qual a expectativa que vocês têm para esta edição online do festival e para a exibição de um trabalho que se desdobra em dois filmes e oito fotos? 

Estamos curiosos em perceber como os trabalhos irão “funcionar” nesta versão on-line, uma vez que os trabalhos foram pensados, a priori, em uma estreita relação com o espaço. Uma videoinstalação com duas projeções simultâneas e, como mencionado por você, uma série de oito fotos lenticulares. Ou seja, fotos que têm suas imagens alteradas de acordo com o deslocamento do espectador no espaço. “Traduzir” essa experiência espacial para a edição on-line tem sido uma incógnita. Na CasAvoa - Biblioteca Livro Livre Curió, contamos com a montagem minuciosa de Caru Moraes e Vitória Helen que pensaram, juntamente conosco, na espacialização do trabalho diante das especificidades do espaço expositivo.    

7 - Podem comentar o conteúdo que enviaram ao Caderno de Artista?

Selecionamos para o Caderno de Artista um conjunto variado de referências que vão desde trabalhos e pesquisas realizadas anteriormente por nós, bem como material de outros integrantes da equipe do filme, como é o caso dos trabalhos do Luiz Garcia e do Henrique Vaz. Luiz trabalhou em todo o projeto gráfico do filme e para o Caderno de Artista selecionamos alguns projetos desenvolvidos por ele em outros contextos e para outros filmes. Já Henrique Vaz trabalhou conosco no som do filme. Para o Caderno de Artista incluímos, igualmente, outros projetos desenvolvidos por Henrique.

8 - Vocês convidaram o filme "A Maldição Tropical", de Luisa Marques e Darks Miranda (2016, 14min, RJ), para compor o Caderno de Artista de vocês e participar do festival. Por que fizeram essa escolha?

É uma alegria ter a Luisa Marques como convidada a integrar nosso caderno. Como dissemos anteriormente, estamos curiosos por ver o caderno no ar. Com a Luisa, nossa conterrânea, temos um caderno com Ceará, Sergipe (Luiz Garcia) e Pernambuco (Henrique Vaz). Embora não tenha sido premeditado, é interessante ver trabalhos que se comunicam em uma chave muito específica vindo de uma certa “vizinhança” nordestina, com todas as peculiaridades.

No caso da Luisa, embora nunca tenhamos trabalhado juntes, há algo que transborda entre os filmes que criam algo como um espaço de pensamento, a imagem de algo que está contido se expandindo, eclodindo, se podemos dizer assim. Ou rebrotando. De uma fissura no asfalto, de uma rachadura numa parede, de um pixel desajustado. Não tem tábula rasa, nem origem. Ou é original da própria origem. Enfim, alguma desobediência, mas que entende que já existem mundos antes de si.

*O 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira é uma realização da ACENDI – Associação Cine Esquema Novo de Desenvolvimento da Imagem.
Projeto realizado com recursos da Lei nº 14.017/2020.

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